A violência doméstica continua na ordem do dia. Vou falar dela pela perspectiva de quem já viu e viveu alguma coisa e está alerta para não repetir erros de outros ou deixar prolongar situações pouco agradáveis por comodismo.
Ao mesmo tempo que se alerta para a importância da queixa, o não sentir medo ou vergonha de expor a situação, por outro lado a sociedade empurra no sentido contrário, silenciando com criticas e rótulos quem sofre este tipo de violência tacanha, encurralando a vítima num beco de silêncio e solidão.
O agressor será sempre alguém sem escrúpulos que não tendo respeito por si também não sabe respeitar a integridade e espaço dos outros e cuja única forma de amar que conhece é doentia, agressiva, dominante e humilhante num desespero de esconder a sua própria insegurança e complexo de inferioridade. Atacar antes que o ataquem.
A vítima por outro lado, também ela mal amada ou nunca amada, sempre incrédula e descrente na felicidade, que não se sente no direito de viver, que é demais para agarrar, que não merece e não lhe pertence. A dor e mal estar são constantes num comodismo quotidiano.
Assim se convencem que têm que aguentar o sofrimento como uma cruz que carregam, segredado a algumas pessoas para angariar defensores da sua causa de comiseração e queixume, única forma de ter alguma atenção e pena, como um animal ferido que sorve parcas e mesquinhas manifestações de carinho e preocupação dos outros, que estão mais interessados em saber o que se passa do que em denunciar a situação ou mesmo ajudar.
No fundo tanto o agressor como a vítima sofrem do mesmo mal, baixa auto-estima e desamor, um manifesta isso com ódio, o outro com medo e submissão.
Se estas pessoas se cruzam na vida, a violência continua entre quatro paredes, com umas queixas aqui e ali, até um desfecho algumas vezes macabro.
Estas famílias direcionam toda a sua energia para o desentendimento e ficam assim alheados do resto, não conseguindo proteger os mais vulneráveis desta vivência.
Os filhos ou vivem e acumulam revolta e ódio generalizados por todos os que se aproximarem deles ao longo da vida, encontrando a melhor oportunidade para exorcizar este ódio nas relações intimas que vão tendo e destruindo, ou conseguem quebrar este ciclo, nunca incólumes de todo mas com a sanidade e clarividência suficientes para mudarem o curso das suas vidas, não voltarem a cometer os erros de que foram vítimas e conseguirem relacionar-se com o mundo de uma forma integrada, de partilha do melhor e esquecimento do pior.
Agressor e vítima só coexistem se ambos derem espaço um ao outro. Sem vitimização da vitima, o agressor dilui-se e perde força.
Gente criada com carinho e dedicação tem meio caminho andado para a felicidade, gente criada com pouco e mau, não deve desperdiçar muitas oportunidades para iluminar os cantos escuros da alma, que todos temos.