Bonecas de Badajoz
Como já dei a entender muito explicitamente em alguns textos nunca gostei de brincar com bonecas, sempre as achei uma imitação aberrante dos seres humanos, senão vejamos.
Era tudo assexuado, agora é que não, mas eu nasci antes do 25 de Abril, só na altura que me começaram a crescer as maminhas é que os bonecos passaram a ter mamilos, pipi e pilinha...e eu passei a olhar para bonecos de carne e osso.
A ausência de buracos nestes brinquedos não contribuía nada para que acreditássemos que os outros meninos eram assim, fazendo de nós os únicos diferentes e esburacados.
Havia um rego do cu mas não um buraco, lábios entreabertos mas sem vislumbre de língua ou amígdalas, narinas tapadas, ouvidos sem orifício auricular.
Coitados, não faziam chichi, não caia ranho, eram surdos e mudos, não cagavam, também é verdade que não comiam e não davam trabalho como os Tamagotchis.
Os bonecos do xixi, do peido, do cocó, do choro, das bolinhas de cuspe e da papinha dada, vieram muito depois.
Barbies nem vê-las porque eram caras.
As minhas bonecas vinham de Badajoz que era o mais longe que os meus pais conseguiam viajar na altura e tenho impressão que os brinquedos vinham de barraquinhas de tiro ou eram brindes de consolação por comprarem tantos quilos de caramelos.
Olhos vidrados, pálpebras que fechavam à mínima mexida no caçula de plástico, com aquele movimento dantesco e assustador de olhos esbugalhados de um azul transparente à boneco Chucky, com pestanas farfalhudas, penteadinhas e todas do mesmo tamanho, sobrancelhas tatuadas e cabelo áspero a cheirar a fio de cana de pesca sem uso, o terror.
Note-se que a minha mãe não foi para cabeleireira só mesmo por muita falta de jeito que acabou por se confirmar na minha própria cabeça, ao fim de muitas tentativas frustradas de aperfeiçoamento.