09
Dez19
A dor do próximo
Rita Pirolita
Já se questionaram porque estamos cada vez mais insensíveis à dor alheia?
É por saturação e banalização ou uma questão de sobrevivência?
Num passado não muito distante, éramos mais próximos e solidários com a dor da família, do vizinho ou até de alguém do bairro que era o nosso mundo, a fome e a pobreza eram tabu na TV, agora tudo é manipulado, somos mais ricos e ainda queremos mais, sofrendo de ganância e inveja por coisas dispensáveis, somos mais ciosos, matamos para defender o que pagámos caro com a mesma facilidade que matamos irmãos ou pais por meia dúzia de tostões ou metros de terra, temos mais e partilhamos menos, tratamos pior os que estão ao nosso lado e somos mais solidários à distância, porque essa ajuda é mais fácil e como não temos a desgraça ali ao lado, é todo um processo mais limpo, ausente de sofrimento, no quentinho do sofá, cheio de falsa bondade narcisista, ao ponto de estarmos à mesa e não vomitarmos o jantar a ver uma criança morrer de fome ou corpos despedaçados com a violência da guerra, ela própria mais implacável que nunca, o inimigo já não se confronta corpo-a-corpo mas elimina-se com um simples carregar de botão no outro extremo do mundo e assim aliviamos o peso da responsabilidade e consciência da vida.
É banal sermos cada vez piores!
É banal sermos cada vez piores!
Como um corpo que entra em estado de choque num acidente, a dor é atenuada, não se sente, deixa-se de ouvir, ver e pensar, o corpo concentra energias para se agarrar à vida o mais que pode e afastar o infortúnio.
Será que nós também ficámos mais insensíveis por uma questão de sobrevivência na ilusão de agarrar uma inconsistente e esporádica felicidade?
Eu gostava de acreditar que há algo mais que possa ser feito antes de nos matarmos a todos...só porque já não sentimos a dor do próximo por estarmos em choque constante?...