Um dia estava eu sentada com o moço num passeio, à beira de uma estrada, à saída de um qualquer supermercado, a comer sushi embalado, num pedaço de paraíso plantado no meio do Pacífico, estávamos esfomeados mas alegres que nem viajantes de pé descalço, entre gargalhadas e engasgos com bagos de arroz e wasabi, passa um homem de meia idade que nos olha por breves instantes e pergunta em jeito de afirmação convicta, 'São mesmo felizes os dois, não são?
Sem ficar à espera de confirmação, porque já tinha a resposta nos nossos olhares, acenamos que sim com a cabeça, só para o confortar e dizer que não era preciso ser bruxo para ver isso, mas é preciso ser especial para sentir felicidade pela felicidade de estranhos e ainda mais verbalizar.
Este foi o comentário mais honesto, curto e expontâneo que recebi na vida e não vou esquecer nunca.
Um dia, continuava eu sentada com o moço ao lado mas desta vez no meio da Oceânia, dentro de uma carrinha alugada a cair de podre, a comer uma sandocha ao lusco-fusco de um belo sunset, quando sintonizo na rádio a língua portuguesa, que já não ouvíamos há pelo menos mais de um mês, demos um salto porque quem botava discurso nessa emissão era a voz vomitada de Anibal Cavaco Silva, nem demos hipótese e fizemos logo ali o funeral, desligamos o rádio, não sem antes lançarmos umas gargalhadas e o jantar acabou em silêncio introspectivo até o sol desaparecer e a noite acordar.
Este foi o momento mais assustador da minha vida que devia ser esquecido mas a personagem em questão continua a ser uma traumatizante assombração mumificada.
Um dia estávamos numa rua de Innsbruck no meio da Áustria a falar um com o outro e passa um português, que por ouvir a língua materna parou ao cruzar-se connosco e nos perguntou se precisávamos de ajuda.
Passados 10 minutos de matar saudade com recordações da comida, do idioma e conterrâneos, este simpático cozinheiro convidou-nos para jantar num restaurante ali perto com um casal amigo, ao que dissemos logo que sim e preparados para pagar a conta de muito boa vontade a gente tão simpática.
Pagou ele o jantar, por ser cliente habitual e ter vantagem nestas combinações com os empregados, atitude que todos nós bem conhecemos e também praticamos ao bom jeito tuga, com um simples piscar de olho ao patrão, no bar da nossa rua ou no local onde crescemos e onde de vez em quando fazemos uma visita, para pagar umas jolas aos amigos de infância.
Pensávamos nós que a noite ficava por tão gentil gesto e boa conversa bem regada com cerveja, quando somos levados a um bar enorme, transformado em salão de baile, que em noite de 4a feira os ritmos latinos atiravam para o meio da pista, corpos suados e desajeitados, uns mais que outros.
Saímos já era noite cerrada, para ruas calmas com gente pacifica em fim de festa, a caminho do hotel trocamos contactos e dicas, pois ainda continuávamos viagem e o Sr. António já andava por aquelas paragens há muitos anos, com família deixada em Portugal.
Este contacto manteve-se até hoje, sem obrigação, com emails curtos mas personalizados, pelo Natal e Páscoa.
Esta foi a atitude mais desinteressada e bondosa, de um desconhecido mas extraordinário anfitrião, que guardei na minha mochila de viagem.
É esta a primeira pessoa em que penso se ganhasse o Euromilhões e mesmo assim não pagaria o impagável.
Se isso não acontecer, prometo aqui ao Sr. António, pelo menos uma visita com umas boas garrafas de vinho e um abraço cheio de Portugal, para isso ainda tenho algum dinheiro e ânimo não me falta.
Um brinde ao Sr. António!!!