30
Abr19
Olhar de esguelha
Rita Pirolita
Não gosto daquele olhar de soslaio lançado pela senhora da caixa do supermercado, quando me pede 1 euro para a associação das mulheres sardentas, das crianças ranhosas, dos cães com sete patas, dos cegos e pernetas, dos cabeçudos e orelhudos...e eu respondo com um 'não' simpático, timidamente baixinho, como se tivesse vergonha de assumir o destino a dar ao meu próprio dinheiro, vergonha de ser assaltada e sentir-me coagida a explicar porque é que não contribuo com determinada quantia seja qual for a causa, que não duvido seja boa mas tenho a certeza que o dinheiro não vai para quem mais precisa e sim para um off-shore de um rico qualquer, que precisa tanto de dinheiro como eu de sarna para me coçar.
Aquela sobrancelha levantada de desaprovação e julgamento, com uma piscadela de águia para quem está atrás de mim na fila, não me intimida, só mostra sim que a senhorita não sabe de certeza destes pormenores de desvio de donativos e eu é que passo por cabra insensível?!
Esta gente do olhar de esguelha recebe um ordenado de miséria, quando dou conta já ouço o bip-bip das compras a passarem no leitor de barras e não preciso de gastar saliva a dar explicações, pago e encho os bolsos a mais um milionário.